Apr 20 de 2024

Compromisso firme com a energia renovável

24/11/2021

Parques solares em área menor do que a desmatada na Amazônia nos últimos 12 meses poderiam gerar pelo menos 600 GW


Parques solares em área menor do que a desmatada na Amazônia nos últimos 12 meses poderiam gerar pelo menos 600 GW.


A energia eólica e solar são hoje as formas mais baratas e duradouras de expandir a capacidade de geração elétrica no Brasil, mesmo sem os descontos nas tarifas de transmissão que ainda persistem a seu favor. Seu potencial é quase ilimitado, sendo estimado em 600 GW para a geração eólica em terra e em 700 GW no mar. Parques solares cobrindo uma área menor do que a desmatada na Amazônia nos últimos 12 meses poderiam gerar pelo menos outros 600 GW, mais de três vezes a capacidade instalada atual de todo o sistema elétrico brasileiro.

Traduzindo capacidade em energia torna evidente que as fontes renováveis poderão atender de forma competitiva - e com sobra - um crescimento anual de 3-5% no consumo de energia do país, mais a eletrificação do transporte terrestre (150 GW) e da cocção domiciliar, parte da estratégia de virarmos uma economia de emissões líquidas de carbono zero. A menos de R$ 150/MWh, elas poderiam ainda trazer bilhões de dólares de exportação de hidrogênio, se cada mil toneladas anuais do produto gerarem R$ 1 milhão e, requerendo 50GWh, ocuparem, por exemplo, 50 hectares de painéis solares.

MP da Eletrobras deu esperanças ao prever revisão da garantia firme da empresa, mas o recálculo foi modesto.

Então, por que a expansão das renováveis está tão baixa (1,5 GW em 2010, 5 GW anuais até 2024) em relação ao que o cenário acima pede?

Há muitas causas, mas uma das principais é a combinação de três fatores: um exagero na capacidade de geração hidrelétrica certificada; a forma como as distribuidoras garantem que podem atender seus consumidores; e disfuncionalidades na comercialização.

Os dois primeiros fatores implicam que as distribuidoras podem “demonstrar” que contrataram energia bastante para atender seus clientes, mesmo quando essa energia é frequentemente insuficiente. O terceiro fator resulta em serem geralmente os consumidores a pagar a conta quando falta energia, e não o setor elétrico.

Isso se dá porque, quando uma geradora não consegue entregar a energia vendida, ela precisa comprar a diferença na Câmara de Compensação de Energia Elétrica (CCEE). Ali, o preço vai depender da oferta e demanda de energia e tenderá a ser mais caro quando as hidrelétricas estão gerando pouco. Mas há muitos mecanismos para a geradora passar esse custo para o consumidor.

Algumas hidrelétricas contam com um seguro oferecido pelo governo e, contra um prêmio, podem repassar o preço da CCEE para o consumidor. Outras têm isso automaticamente. Além disso, esse preço, conhecido como PLD, muitas vezes está longe do custo marginal real da energia.

Hoje o PLD está perto de R$ 90/MWh, enquanto se estão despachando usinas térmicas que custam até R$ 2000/MWh. Assim, o que não é empurrado para o consumidor através das bandeiras é repassado na conta de luz através dos “encargos de serviços do sistema” que podem atingir bilhões de reais, como os jornais noticiam.

Sem os incentivos para uma gestão de risco compatível com a sua capacidade de produção física, muitas geradoras vendem mais do que podem entregar e deprimem a demanda por nova capacidade.

Nada nos parágrafos anteriores é novidade para quem é do setor elétrico, afora por imprecisões que o texto apresente. O exagero na energia que pode ser vendida em relação à confiável, essa chamada “energia firme”, foi explicado pelo Relatório Kelman publicado quando faltou luz 20 anos atrás.

Há muitos anos o governo está autorizado a recalcular periodicamente a energia firme das usinas. O que é natural, já que como se aprende em Eletricidade Brasileira I, essa energia não depende apenas das turbinas de uma usina individual, mas do sistema de geração e transmissão como um todo, o qual vai se alterando com o tempo.

Rever o montante de energia firme não traria necessariamente perda para as geradoras hidrelétricas, principalmente se elas hoje arcassem com os reais custos da falta de luz. Mas o assunto pouco anda, as crises no suprimento sendo debitadas mais à gestão centralizada dos reservatórios ou ao cálculo do PLD por um algoritmo desatualizado, do que à falta de investimento. Houve só uma revisão da energia firme, que cortou 1,3 GW médios em 2017. Já a tentativa de contornar a resistência às revisões separando-se a figura do “lastro” daquela de “energia” não deu certo até agora.

A MP da privatização da Eletrobrás deu esperança de progresso no tema, por prever a revisão da garantia firme da empresa e o parque hidrelétrico da Eletrobras que terá novas concessões ser grande. Assim, uma redução da sua energia firme, reconhecendo, por exemplo, o impacto do uso múltiplo da água em bacias como a do Rio São Francisco, daria um sinal forte para a expansão da capacidade de geração no Brasil.

Mas o recente relatório do TCU aponta que o recálculo foi modesto (1 GW médio) e não incluiu a revisão de vários parâmetros, donde decorre o risco de a garantia firme continuar superdimensionada. Dada a prática do mercado, a empresa privatizada poderá não ser conservadora na venda da sua energia firme. Isso deprimiria a expansão da geração no Brasil, mesmo com a expectativa do governo de que o aumento de tarifas autorizado pela MP e as receitas daí decorrentes levem a empresa a multiplicar seus investimentos.

Perde-se uma oportunidade rara ao não se recalcular a energia firme da Eletrobras de maneira ambiciosa, que dê sinais para a expansão da oferta de energia, reflita novos usos da água e o possível impacto das mudanças do clima nas vazões históricas, ajudando ainda a valorar o novo papel das hidrelétricas como “bateria” de um sistema em que fontes eólicas e solares terão maior proeminência.

A competitividade do Brasil no mundo vislumbrado em Glasgow passa não só por acabar com o desmatamento. Ela inclui aproveitar mudanças no coração do setor elétrico para mandar sinais que tornem mais fácil dobrar a produção elétrica até 2035 (ela duplicou em 2000-2014), de forma sustentável, com pluralidade de investidores, distribuição geográfica eficiente e acesso adequado a uma rede de transmissão que se expanda em sincronia.

Joaquim Levy foi ministro da Fazenda e diretor gerente do Banco Mundial e é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercado do Banco Safra.

Fonte e Imagem: Valor Econômico.





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